segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Conheça melhor o Live Action Role Playing (LARP)

postado originalmente por Dan (o site Works4Weaks)


Curioso para saber como funciona o LARP (Live Action Role Playing, ou Jogo de Interpretação ao Vivo, em tradução livre)? Nosso amigo Aguirre Melchiors preparou um artigo pra esclarecer melhor como funciona essa forma de RPG, veja só:

LARP

Larp é a forma de RPG aonde os personagens agem fisicamente e representam seus personagens de forma parecida com o teatro. Ações físicas ou arriscadas são determinadas pelas regras do jogo e as vezes depois de determinadas são também encenadas. É comum ver no LARP pessoas caracterizadas, vestidas como seus personagens, maquiadas e portando vários acessórios.

Os narradores decoram o ambiente para lembrar o cenário do jogo, a tarefa dos mestres é árdua pois ele deve organizar os jogadores, reservar o local do evento, ficar atento às disputas e representar NPCs. Geralmente o evento abriga mais de uma dezena de jogadores, podendo chegar a centenas em alguns países, isso faz necessário vários mestres para organizar o jogo.

  No LARP as regras tendem a ser bem mais simples e dinâmicas que nos jogos de mesa, tanto pela quantidade de jogadores, quanto pela praticidade necessária para evitar o uso de mesas, miniaturas, marcadores e demais acessórios comuns no RPG de mesa. Cartas são comuns em sistemas como Castelo Falkenstein, Pedra-papel-tesoura em Vampiro, cronômetro em Trevas e hoje em dia programas para smartphones e tablets, o ideal é uma jogada por disputa e quando absolutamente necessário.

 Vantagens do LARP:

  • Se você tem um grupo de jogo muito grande, usar um sistema de LARP é bom.
  • É mais fácil para atrair Jogadores novatos, tanto para ensinar a representar como pelas regras simples.
  • É muito divertido caracterizar-se e representar, as garotas adoram.
  • A frequência dos jogos é menor, porém às vezes é mais intensa, pois o jogo fica mais orgânico, evitando as sequências de ação e facilitando o mistério e a intriga.
  • O narrador não precisa representar a discussão entre dois (ou mais) NPCs, ele deixa isso por conta dos jogadores.

Desafios do LARP:

  • É fácil o narrador perder o controle do jogo, porém na maioria das vezes ele somente vai mediar os jogadores.
  • Os jogadores se apegam muito mais aos personagens e também é mais comum o Player versus Player, gerando atrito entre jogadores menos maduros.
  • É difícil de organizar e de marcar jogos, necessitando da cooperação de várias pessoas.
Em geral os jogos continuam em PBMs até o próximo encontro, ou em jogos de mesa organizados para grupos menores, estes focados em cenas de ação.

Fora do Brasil é comum ver LARPs de vários cenários, desde zumbis a batalhas medievais, estas mais populares, contendo centenas de jogadores, porém a maioria dos sistemas é criado pelos próprios jogadores ou adaptados de sistemas atuais como D&D e Vampire.

Em Joinville há um projeto de live action focado no novo mundo das trevas, com jogos uma vez ao mês e reunindo cerca de vinte jogadores, este jogo procura contar como seria a cidade de Joinville se o sobrenatural existisse, se as intrigas e maquinações fizessem parte da nossa cidade há anos e se os vampiros lutassem pelo controle da cidade, moldando e mudando ela com o passar dos anos.

Para participar do jogo é só entrar na nossa comunidade do facebook Vampiro Requiem – Joinville, ler o guia Festival Macabro nos arquivos do grupo e fazer a história.

See Ya Folks!

Aguirre Melchiors

Rafael Soares – Como Vampiro Nomak
 Bem como a mafia
 Alguns usam Armas, outros chinelos
As meninas Adoram

Com excessão da primeira imagem e do primeiro parágrafo [Nota do LarpRadar: a imagem usada no primeiro parágrafo é do larp dinamarquês  "Agerbørn - The Crossroads", de 2007, e é de autoria de Jens Niros. Está sob licensa Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported.] , todo o resto do texto e imagens são de autoria de Aguirre Melchiors, que autorizou sua publicação.  



FONTE:
Works4Weaks -  Conheça melhor o Live Action Role Playing (LARP), http://www.works4weaks.com.br/conheca-melhor-o-live-action-role-playinglarp/


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A Rainha Elizabeth I adorava jogar larp

por Colin Schultz

"Depois do chá, vista-te como um dragão de tal forma que eu deveria matar-te."

"Ninguém jogou larp como os Tudors".

É o que diz Lizzie Stark em seu ensaio sobre a muito-mais-longa-e-rica-que-você-imaginou história do live action role playing.

Hoje, live action role playing (larp-ing) leva você para mundos mágicos onde poderosos magos lançam relâmpagos pelas mãos ao jogar varetinhas em seus amigos e a Guerra Civil Americana pode acontecer todos os dias. [Nota do Tradutor: assista também ao outro vídeo sobre o reenactment/larp da Guerra Civil Americana, aqui no LarpRadar]



Relâmpago!

Mas de acordo com Stark,
A Rainha Elizabeth I presidida alguns sérios, e realmente caros, entretenimentos semelhantes ao larp.
Para a Rainha, que reinou de 1558 a 1603, o Conde de Leicester promoveu uma festa enorme.
Em meio a uma agenda lotada de caça, purgação de urso (bear-baiting), prestigiar justas, shows acrobáticos, e peças teatrais, Elizabeth repetidamente encontrou figuras míticas que saltaram de um arbusto para poeticamente elogiá-la e pedir sua ajuda. Por exemplo, ao voltar da caça, um dia, a rainha passou por cima de uma poça perto do castelo. Um cara vestido como o deus do mar Tritão nadou até os pés de Sua Majestade, em nome da Arturiana Senhora do Lago, que estava sendo ameaçada pelo malévolo "Sir Bruce." Depois de a rainha intimidar o inimigo com a majestade de sua aura, a Senhora do Lago deslizou sobre a água em uma ilha móvel para agradecer à rainha. Mais tarde, o mítico músico Arion surgiu de um golfinho mecânico de 6 metros de comprimento com uma banda de seis integrantes escondida dentro dele - o barco foi feito para que seus remos parececem ser barbatanas.
Como Stark explica, este amor pelo roleplaying não se limitou aos Ingleses. "Os romanos", diz ela, "ofereciam festas temáticas a fantasia."

Júlio César entra no foyer vestido como um etrusco. Mas seu traje não é único.

"Até tu, Brutus?", Diz ele com um suspiro.

FONTE: Smith Sonian Magazine, Smart News - Rainha Elizabeth I adorava jogar Live Action Role Playing ,  http://blogs.smithsonianmag.com/smartnews/2012/07/queen-elizabeth-1-loved-live-action-role-playing/

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Vice - Batalhando por um LARP Mais Violento

By Shane Danaher


Fiquei curioso em saber por que alguém passaria o verão bancando o William Wallace junto com outros bocós, e também pra saber realmente como era isso, então parti pra Chaos Wars em Hailey, Idaho. Atraindo cerca de 500 participantes, a Chaos Wars é o Natal, o Kwanza, a Páscoa, o Yom Kippur e o carnaval do calendário Belegarth. Os participantes largam seus empregos, terminam com suas namoradas e pegam carona através de vários estados pra passar a semana mais quente do verão norte-americano acampados num estábulo e participando de uma cópia aguada das cenas de batalha do Senhor dos Anéis.

Enquanto festivais de Live Action Role Playing (o “LARP”) similares acontecem por toda a América do Norte (a VICE cobriu uma batalha parecida no Quebec ano passado), a Chaos Wars supera seus contemporâneos em escala e na predileção por mais violência.

Os participantes da Chaos Wars são praticantes de Belegarth, que é uma das muitas subespécies de LARP criadas pela Sociedade do Anacronismo Criativo no meio dos anos 70. Dando uma ênfase (relativamente) mais leve no role-playing que as outras, e demonstrando um amor muito bem divulgado pela violência com armas de espuma, o Belegarth é provavelmente a atividade mais durona da qual é possível participar vestido de elfo. As pessoas que curtem Belegarth ficam realmente putas com o termo “LARPer”, e insistem que isso é qualificado como um esporte. Os outros LARPers se referem a eles pejorativamente como “atletas da vara”.


Enquanto no resto do ano os praticantes do Belegarth confinam suas atividades a parques públicos e dormitórios de universidade, a Chaos Wars dá a eles a chance de liberar 12 meses de esquisitice reprimida numa semana inteira de orgias suarentas e iradas.

O festival acontece no Silver Bell Horse Ranch, uma localidade perto de Hailey, Idaho. Na cidade resort com 8 mil habitantes (que inclusive afirma ser a cidade natal de Ezra Pound), a reação à Chaos Wars vai do desconforto ao entretenimento cuidadoso. O setor comercial que recebe o maior impulso com a Chaos Wars pinta um retrato representativo dos participantes: as pessoas da Chaos Wars compram muita bebida e bolo. Tão grande é seu desejo por esses itens que a padaria de Hailey prepara antecipadamente muitos e muitos doces com temática medieval e a única loja de bebidas da cidade dobra o estoque pra se preparar.

Quando cheguei na tenda de boas-vindas da Chaos Wars no meio da tarde no quarto dia do festival, o mago que me recebeu já estava na quinta cerveja e prontamente anunciou sua intenção de ir ainda mais longe nas suas explorações etílicas. Ele compartilhava essas características com a maioria das pessoas que me ajudaram ansiosamente a armar minha barraca e colocar minha “roupa”, que consistia de uma túnica feita em casa e calças hakama de estampa berrante.

Vendo que eu tinha chegado muito tarde pra pegar alguma luta de verdade naquele dia, saí a procura de alguém interessante com quem conversar, o que me levou até Bacchus.


De cavanhaque, pintado de verde e usando um kilt preto, Bacchus me informou que sua fantasia indicava que ele era um “Duende Mascate”. Entre outras coisas, Bacchus conseguiu se destacar viajando a maior distância pra participar do festival. Ano passado, enquanto estava alocado no Afeganistão com o Exército Americano, ele pediu uma semana de folga, pulou num avião pro Kuwait e viajou mais de 27 mil quilômetros até o centro de Idaho pra se pintar de verde e arrebentar a cara de seus amigos com um espada escocesa feita de espuma. Cumprindo essa tarefa, ele dirigiu até o Aeroporto de Boise e pegou um voo de volta.

E ele não era o único participante que ganhava a vida protegendo os Estados Unidos — topei com pelo menos meia dúzia de militares, homens e mulheres, e fiquei sabendo de ainda mais gente no local. Um guerreiro particularmente intimidador que atendia pelo nome altamente apropriado de “Sampson”, trabalha como mergulhador da marinha quando não está vagando pelo mundo dos combates fantásticos. Este ano, Sampson e seu parceiro receberam as mais altas honrarias nos torneios de combates entre duplas.

A Chaos Wars inclui muitos desses subtorneios, mas o festival não faz juz ao seu nome até o sábado. Nessa altura, a maioria dos participantes ainda sãos ocupam um grande pasto pruma batalha “épica” e as coisas ficam suficientemente feias. Sempre vítimas de sua fraqueza por pompa, os organizadores do festival selecionaram “Cruzados versus Monstros” como tema da Batalha Final deste ano, aparentemente despreocupados ou inconscientes das complicações implícitas em colocar os muçulmanos como “monstros”.


Na maior parte do tempo, a energia de todos durante a “batalha final” é devotada a tentar resolver os problemas logísticos inerentes de realizar um confronto entre 500 pessoas baseado inteiramente no código de honra. Com machados, flechas e espadas de espuma voando pra todo lado, sem falar da morte instantânea que espera qualquer um que pise fora do “castelo” demarcado por cordas posicionadas no chão, entender o que diabos está acontecendo é algo muito próximo do impossível.

Enquanto os “cruzados” e “monstros” lutavam entre si no que parecia ser um scrum de rugby de 400 metros, uma nuvem de poeira subiu no calor de 35ºC, transformando a luz do sol em algo ainda mais insuportável. Com os gibões sujos de grama e a tinta dos rostos escorrendo com o suor, os combatentes “mortos” se misturavam do outro lado da batalha lotando as poucas sombras, tentando assim evitar a insolação.

Apesar da temperatura, das fantasias sufocantes e dos níveis baixos de aptidão física da média, nenhum único combatente passou mal ou vomitou. Um cara que parecia vagamente com Andre, the Giant sofreu o que parecia ser uma concussão, mas os paramédicos que se materializaram na cena logo o declararam em perfeita saúde.

No final da tarde, os Cruzados emergiram vitoriosos. Os Monstros insistiram que uma trapaça generalizada havia acontecido, esquecendo que o exército de Deus tem justificativa pra usar qualquer meio pra atingir a vitória.


Eu não estava qualificado pra participar da Chaos War por não pertencer a nenhum “Reino”, “Unidade” ou “Estandarte” (a diferenciação entre essas três coisas é muito bizantina pra ser exposta aqui), mas também recusei alguns dos convites pra tomar parte nas lutas em parte porque os lutadores de Belegarth tem que lidar com um nível impressionante de abuso físico. Além dos riscos acima mencionados envolvendo o calor e os danos cerebrais, as lutas estão cheias de histórias de joelhos estourados, costelas quebradas e quadris deslocados. Depois de uma das batalhas, uma figura magricela e mulambenta que vagava pelo campo fez a seguinte revelação: “Não sinto meus dois braços. Aquela última pancada deve ter comprimido um nervo da minha espinha”.

É tão grande o amor do Belegarth por uma boa luta que o esporte proíbe o uso de “mágica” no campo de batalha, algo permitido nas outras variações de LARP. A Chaos Wars só flerta com o sobrenatural na forma do “Conselho dos Magos”, que também é o único emprego bem sucedido de ironia do evento. Usando robes e barbas falsas feitas com saquinhos de supermercado, a meia dúzia de membros do conselho tomam parte no que eles chamam de DARP — Drunk-Assed Role Playing (algo como “Live Action Pinguço”).


Composto pelos caras mais “atléticos” (na falta de um termo melhor) do mundo do Belegarth, o Conselho passa a semana inteira mijando furtivamente nos arredores das aglomerações públicas e tropeçando nas coisas enquanto lançam “feitiços” em inimigos imaginários. O divisor de águas do conselho aconteceu às 2 da manhã da quinta, quando espalhou-se um boato pelo acampamento de que 60 centímetros de chuva estavam sendo esperados antes do amanhecer. Já bem loucos de uma mistura de vodca e framboesa que eles chamam de “Sangue de Falcão”, o conselho tomou a iniciativa de lançar uma “feitiço contra a chuva”.

Pra esse fim, os “magos” uivaram e tropeçaram uns nos outros no meio de um pasto vaziou por vários minutos, depois dos quais eles esqueceram o que estavam fazendo ali e foram embora. Na manhã seguinte, o conselho precisou lidar com uma ressaca genocida e as nuvens de chuva que pairavam sobre Hailey foram dissipadas, deixando nada mais que um rastro.


Todo mundo com quem conversei na Chaos Wars insistiu que eles se consideram uma grande “família”, e o evento com certeza parecia a reunião de moda mais ambiciosa do mundo. A idade dos participantes variava de tiozões com barba longa grisalha a crianças que tinham sido arrastadas pra lá por seus pais entusiasmados e involuntariamente cruéis. Um dos casais chegou até a pintar seu pimpolho de verde.

Fiquei lá por três dias, durante os quais testemunhei uma cerimônia de casamento. Na sexta, ambos ensaboados em tons venenosos de verde, Rumbeard, vestido como Geoffrey Rush no Piratas do Caribe, e Fangestra, usando um vestido rosa pastel, santificaram sua união numa forma curiosa de matrimônio. Levando o subtexto matrimonial de troca de propriedade ao extremo da lógica, um “vendedor de escravos” levou a noiva até o altar, depois a vendeu ao noivo pelo preço de dois barris de mirtilo. Os procedimentos então deram lugar a uma troca de votos escritos pelos próprios noivos. Cautelosamente religioso e indulgentemente sentimental, esse enlace poderia se assemelhar ao equivalente civil, se a noiva e o noivo não estivessem pintados de verde.


Essa mistura de brincadeira envergonhada e sobriedade de pedra é típica da Chaos Wars. Todo mundo aqui tem um salutar senso de humor sobre sua situação meio boba, mas em momentos cruciais todo mundo acaba caindo na fúria protetiva nerd de seu domínio escolhido.

Veja o caso de Forkbeard, talvez o mais fisicamente intimidadore guerreiro da Chaos Wars. Com mais de 1,80m, um tanquinho abdominal digno e pelos faciais mais loucos do que seu apelido sugere, Forkbeard entrou na batalha com um capacete de gladiador, luvas, armadura de couro dourada e tinta corporal verde. Ele empunhava sua lança coberta de espuma com força suficiente pra nocautear um homem adulto, o que ele fez várias vezes nas batalhas campais com pugilistas vestidos de maneira similar, todos derramando suor como se estivessem sendo torcidos por mãos gigantes.


Durante o calor da Batalha Final, Forkbeard saiu do campo e jogou no chão seu capacete. Ele parecia um viking desequilibrado.

“Não vou voltar pra lá!”, gritou.

Um espectador: “Que aconteceu? Você se machucou?”.

“Não vou voltar pra lá enquanto as pessoas continuarem trapaceando. É uma palhaçada. As pessoas não estão aceitando os golpes que recebem.”

Ele tirou mais algumas peças de armadura e saiu, emburrado, acenando pra alguns simpatizantes e soltando diversas maldições. O poderoso guerreiro, derrubado por um bando de trapaceiros sem vergonha.



FONTE: Vice - Batalhando por um Larp Mais Violento, http://www.vice.com/pt_br/read/batalhando-por-um-larp-mais-violento

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Vice - Conquistando o mundo livre

Desde que “Mundo Livre” Signifique uma Falsa Vila Medieval no Canadá

By Ben Makuch, Brett Gundlock e Raf Katigbak

Depois dessa batalha ficou aparente que as táticas de batalha élficas se baseiam em sentar na floresta e pegar os retardatários, confirmando assim as suspeitas de que elfos são uns bundões mesmo.

Houve um tempo em que o LARP (live action role-playing, ou jogo de interpretação ao vivo, uma das formas de se jogar RPG) nada mais era do que um bando de marmanjos virgens colecionadores de action figures que evitavam seus pensamentos suicidas arranhando uns aos outros com lanças de espuma num parque. Hoje ele é uma subcultura com sua própria indústria de milhares de dólares de armamentos falsos e uma série de torneios enormes que acontecem pelo mundo todo. Mas o lar natural do LARP é Quebec, onde franco-canadenses adultos acham perfeitamente aceitável fingir que vivem numa refilmagem de Guerreiros de Fogo feito como TCC prum curso de cinema. Eles até construíram mais de 100 estruturas “medievais” na “vila” de quase 150 hectares ao norte de Quebec que ganhou o apropriado nome de Grão-Ducado de Bicolline.

Todo mês de agosto, milhares de exemplares modernos da humanidade rumam para esse lugar para uma semana de festival medieval que acaba na Grande Batalha, o campeonato mais importante do LARP. A primeira batalha aconteceu em 1996 como uma competição para uns poucos quebequenses praticantes de LARP, e agora recebe gente de lugares distantes, como Luxemburgo. Como isso foi anunciado como um evento aberto a todos, aluguei uma fantasia esfarrapada de Peter Pan por US$ 30 e fiz a viagem de duas horas até lá desde Montreal.

Conforme estacionava na entrada, uma pequena “cabana de boas-vindas” surgiu de repente entre os pinheiros. Um organizador vestido como guarda suíço me mostrou o terreno, falou sobre as moedas cunhadas chamadas Solars e me deu um “cartão de batalha” com o meu nome (que depois troquei por três cervejas). Após recitar as regras, que incluíam “proibido fazer fogueiras” e “nada de violência”, ele me guiou até um enclave na pequena floresta da área, onde armei uma barraca. No caminho até lá passei por algumas construções com orcs jogando dados em frente ao fogo, um grupo de vikings assando um porco inteiro no espeto e um nenê vestido de elfo. Foi ficando claro que essa gente não estava de brincadeira.

Quando cheguei ao acampamento, meu vizinho, um “cita” de kilt de couro, estava reclamando que quase tinha sido expulso pela polícia da moda de Bicolline por causa de seus cadarços laranja, que “não estavam de acordo com os padrões medievais”. Mesmo assim não me preocupei com meu visual, tomei umas cervejas e dei um passeio. Depois de três canecas reais, eu caminhava pelas ruas ladeadas por tochas quando um clã de cavaleiros apareceu, derrubando bebida de seus chifres ocos. Do nada, um cara muito doido que parecia o Frei John correu pra mim, babando e com os olhos esbugalhados de anfetamina. Nesse tipo de situação a maioria das pessoas se cagaria de medo, mas eu fiquei hipnotizado pelo seu corte tigelinha da Idade Média. Antes que eu pudesse reagir, ele chacoalhou minha lata, espirrando cerveja pra todo lado.

“Por que diabos você não está tomando sua cerveja num chifre ou num caneco? Que merda, cara!”

Atordoado, eu só balancei a cabeça e decidi que não valia a pena ser expulso pelos guardas da segurança LARP vestido como um moleque de sete anos numa missão de dia das bruxas por causa desse lunático. Além disso, seria besteira perder a Grande Batalha épica sobre a qual todo mundo estava falando.

Esse cara descreveu sua classificação LARP como “escaramuçador”. Ele também é corretor de imóveis.
Mais tarde encontrei um guerreiro chamado Thorkol, membro orgulhoso do clã do Corvo. Seus longos cabelos loiros e barba vermelha irregular faziam ele parecer um viking na puberdade, mas na verdade ele era um comerciante de 20 e poucos anos que morava no porão da casa dos pais. Ele concordou em me levar pra conhecer o local e me apresentar aos seus “irmãos”. Enquanto atravessávamos a ponte levadiça que levava ao Grande Salão, contei ao Thorkol sobre o cuzão que tinha jogado minha cerveja no chão.

 “Você tem que entender que as pessoas vêm até aqui pra ser alguém diferente. Eles não gostam de gente que tira sarro disso ou que não os leva a sério”, ele disse. “E eu também não. Foda-se essa gente. Da próxima vez cubra sua cerveja com a capa. É como com as garotas. Alguns caras nunca conseguem pegar ninguém na vida real, mas vêm pra cá e agem como corajosos cavaleiros, e isso funciona.”

Mais tarde, Thorkol me levou pra dentro da cidade, onde seu clã estava festejando. Quando conheci o grupo eles se recusaram a dizer seus nomes verdadeiros, usando ao invés disso títulos como Tchakalouy, Morcius, Ulf ou Khylandra, a Princesa Fada. Um cara corpulento de chapéu emplumado e armadura que ficava gritando palavras de ordem pra todo mundo basicamente me mandou dar o fora, mas num liguajar antigo. Depois descobri que ele era policial na vida real. Foi interessante notar que mesmo nesse mundo de fantasia, policiais podem ser babacas em tempo integral.

No final da noite eu já estava de saco cheio dessa porra de jogo. Era como um purgatório social bizarro, moderado por pessoas com identidades falsas. Mas eu ainda podia esperar pela Grande Batalha, então fui dormir.

Acordei com gritos de guerra distorcidos. Puxei o zíper da minha tenda e vi um grupo de bárbaros em volta de um cara franco-canadense que parecia o Schwarzenegger no Conan. Levantando suas espadas num glorioso grito cerimonial, eles correram pro campo de batalha, desviando de isopores de cerveja e cadeiras de praia. Foi uma doideira que eu estava muito sonolento pra entender. Depois do cortejo de guerreiros que tiveram que fazer uma fila única pra atravessar a ponte até a gigantesca ravina onde seria a batalha, vi um regimento inteiro de cavaleiros totalmente equipados com espadas brilhantes passar enquanto terríveis criaturas do submundo guinchavam. A sede de sangue estava no ar.

Então a corneta soou e mais de dois mil LARPers correram uns em direção aos outros pro que deveria ser um embate bíblico de espadas e lanças. Mas o que aconteceu foi um borrão de armas de espuma cutucando a esmo, até que um “morto” rolasse pro lado fingindo convulsões. Como eles usavam um sistema de honra pra fazer a contagem de corpos, ouvi muitos marmanjos reclamando: “Te pequei!”, “Não pegou não!”. Eles inclusive faziam pausas para fumar e tirar sonecas, enquanto esperavam alguma coisa acontecer. Tive tempo até de filar um cigarro de um elfo morto — não tenho certeza se eles tinham cigarros industrializados na Idade Média, mas tanto faz.

Confuso e realmente entediado, tentei chamar atenção do rei que passava com sua corte, mas dois de seus guarda-costas de merda me bateram com as espadas de espuma, me acusando de ser “um assassino”. Essa foi a gota d'água. Depois de dois dias sofrendo bullying de um bando de nerds, eu estava me sentido mal comigo mesmo por sequer pensar que esse evento podia ser remotamente divertido, então arrumei minhas coisas e voltei pro mundo real.

Minhas muitas alegrias no Grão-Ducado de Bicolline. E por “alegrias” eu quero dizer “várias encheções de saco”.

Quem precisa de filhos quando se pode fingir ser um personagem da sua própria imaginação com milhares de outros canadenses iludidos infelizes?