By Shane Danaher
Fiquei curioso em saber por que alguém passaria o verão bancando o William Wallace junto com outros bocós, e também pra saber realmente como era isso, então parti pra Chaos Wars em Hailey, Idaho. Atraindo cerca de 500 participantes, a Chaos Wars é o Natal, o Kwanza, a Páscoa, o Yom Kippur e o carnaval do calendário Belegarth. Os participantes largam seus empregos, terminam com suas namoradas e pegam carona através de vários estados pra passar a semana mais quente do verão norte-americano acampados num estábulo e participando de uma cópia aguada das cenas de batalha do Senhor dos Anéis.
Enquanto festivais de Live Action Role Playing (o “LARP”) similares acontecem por toda a América do Norte (
a VICE cobriu uma batalha parecida no Quebec ano passado), a Chaos Wars supera seus contemporâneos em escala e na predileção por mais violência.
Os participantes da Chaos Wars são praticantes de
Belegarth, que é uma das muitas subespécies de LARP criadas pela Sociedade do Anacronismo Criativo no meio dos anos 70. Dando uma ênfase (relativamente) mais leve no role-playing que as outras, e demonstrando um amor muito bem divulgado pela violência com armas de espuma, o Belegarth é provavelmente a atividade mais durona da qual é possível participar vestido de elfo. As pessoas que curtem Belegarth ficam realmente putas com o termo “LARPer”, e insistem que isso é qualificado como um esporte. Os outros LARPers se referem a eles pejorativamente como “atletas da vara”.
Enquanto no resto do ano os praticantes do Belegarth confinam suas atividades a parques públicos e dormitórios de universidade, a Chaos Wars dá a eles a chance de liberar 12 meses de esquisitice reprimida numa semana inteira de orgias suarentas e iradas.
O festival acontece no Silver Bell Horse Ranch, uma localidade perto de Hailey, Idaho. Na cidade resort com 8 mil habitantes (que inclusive afirma ser a cidade natal de Ezra Pound), a reação à Chaos Wars vai do desconforto ao entretenimento cuidadoso. O setor comercial que recebe o maior impulso com a Chaos Wars pinta um retrato representativo dos participantes: as pessoas da Chaos Wars compram muita bebida e bolo. Tão grande é seu desejo por esses itens que a padaria de Hailey prepara antecipadamente muitos e muitos doces com temática medieval e a única loja de bebidas da cidade dobra o estoque pra se preparar.
Quando cheguei na tenda de boas-vindas da Chaos Wars no meio da tarde no quarto dia do festival, o mago que me recebeu já estava na quinta cerveja e prontamente anunciou sua intenção de ir ainda mais longe nas suas explorações etílicas. Ele compartilhava essas características com a maioria das pessoas que me ajudaram ansiosamente a armar minha barraca e colocar minha “roupa”, que consistia de uma túnica feita em casa e calças hakama de estampa berrante.
Vendo que eu tinha chegado muito tarde pra pegar alguma luta de verdade naquele dia, saí a procura de alguém interessante com quem conversar, o que me levou até Bacchus.
De cavanhaque, pintado de verde e usando um kilt preto, Bacchus me informou que sua fantasia indicava que ele era um “Duende Mascate”. Entre outras coisas, Bacchus conseguiu se destacar viajando a maior distância pra participar do festival. Ano passado, enquanto estava alocado no Afeganistão com o Exército Americano, ele pediu uma semana de folga, pulou num avião pro Kuwait e viajou mais de 27 mil quilômetros até o centro de Idaho pra se pintar de verde e arrebentar a cara de seus amigos com um espada escocesa feita de espuma. Cumprindo essa tarefa, ele dirigiu até o Aeroporto de Boise e pegou um voo de volta.
E ele não era o único participante que ganhava a vida protegendo os Estados Unidos — topei com pelo menos meia dúzia de militares, homens e mulheres, e fiquei sabendo de ainda mais gente no local. Um guerreiro particularmente intimidador que atendia pelo nome altamente apropriado de “Sampson”, trabalha como mergulhador da marinha quando não está vagando pelo mundo dos combates fantásticos. Este ano, Sampson e seu parceiro receberam as mais altas honrarias nos torneios de combates entre duplas.
A Chaos Wars inclui muitos desses subtorneios, mas o festival não faz juz ao seu nome até o sábado. Nessa altura, a maioria dos participantes ainda sãos ocupam um grande pasto pruma batalha “épica” e as coisas ficam suficientemente feias. Sempre vítimas de sua fraqueza por pompa, os organizadores do festival selecionaram “Cruzados versus Monstros” como tema da Batalha Final deste ano, aparentemente despreocupados ou inconscientes das complicações implícitas em colocar os muçulmanos como “monstros”.
Na maior parte do tempo, a energia de todos durante a “batalha final” é devotada a tentar resolver os problemas logísticos inerentes de realizar um confronto entre 500 pessoas baseado inteiramente no código de honra. Com machados, flechas e espadas de espuma voando pra todo lado, sem falar da morte instantânea que espera qualquer um que pise fora do “castelo” demarcado por cordas posicionadas no chão, entender o que diabos está acontecendo é algo muito próximo do impossível.
Enquanto os “cruzados” e “monstros” lutavam entre si no que parecia ser um scrum de rugby de 400 metros, uma nuvem de poeira subiu no calor de 35ºC, transformando a luz do sol em algo ainda mais insuportável. Com os gibões sujos de grama e a tinta dos rostos escorrendo com o suor, os combatentes “mortos” se misturavam do outro lado da batalha lotando as poucas sombras, tentando assim evitar a insolação.
Apesar da temperatura, das fantasias sufocantes e dos níveis baixos de aptidão física da média, nenhum único combatente passou mal ou vomitou. Um cara que parecia vagamente com Andre, the Giant sofreu o que parecia ser uma concussão, mas os paramédicos que se materializaram na cena logo o declararam em perfeita saúde.
No final da tarde, os Cruzados emergiram vitoriosos. Os Monstros insistiram que uma trapaça generalizada havia acontecido, esquecendo que o exército de Deus tem justificativa pra usar qualquer meio pra atingir a vitória.
Eu não estava qualificado pra participar da Chaos War por não pertencer a nenhum “Reino”, “Unidade” ou “Estandarte” (a diferenciação entre essas três coisas é muito bizantina pra ser exposta aqui), mas também recusei alguns dos convites pra tomar parte nas lutas em parte porque os lutadores de Belegarth tem que lidar com um nível impressionante de abuso físico. Além dos riscos acima mencionados envolvendo o calor e os danos cerebrais, as lutas estão cheias de histórias de joelhos estourados, costelas quebradas e quadris deslocados. Depois de uma das batalhas, uma figura magricela e mulambenta que vagava pelo campo fez a seguinte revelação: “Não sinto meus dois braços. Aquela última pancada deve ter comprimido um nervo da minha espinha”.
É tão grande o amor do Belegarth por uma boa luta que o esporte proíbe o uso de “mágica” no campo de batalha, algo permitido nas outras variações de LARP. A Chaos Wars só flerta com o sobrenatural na forma do “Conselho dos Magos”, que também é o único emprego bem sucedido de ironia do evento. Usando robes e barbas falsas feitas com saquinhos de supermercado, a meia dúzia de membros do conselho tomam parte no que eles chamam de DARP — Drunk-Assed Role Playing (algo como “Live Action Pinguço”).
Composto pelos caras mais “atléticos” (na falta de um termo melhor) do mundo do Belegarth, o Conselho passa a semana inteira mijando furtivamente nos arredores das aglomerações públicas e tropeçando nas coisas enquanto lançam “feitiços” em inimigos imaginários. O divisor de águas do conselho aconteceu às 2 da manhã da quinta, quando espalhou-se um boato pelo acampamento de que 60 centímetros de chuva estavam sendo esperados antes do amanhecer. Já bem loucos de uma mistura de vodca e framboesa que eles chamam de “Sangue de Falcão”, o conselho tomou a iniciativa de lançar uma “feitiço contra a chuva”.
Pra esse fim, os “magos” uivaram e tropeçaram uns nos outros no meio de um pasto vaziou por vários minutos, depois dos quais eles esqueceram o que estavam fazendo ali e foram embora. Na manhã seguinte, o conselho precisou lidar com uma ressaca genocida e as nuvens de chuva que pairavam sobre Hailey foram dissipadas, deixando nada mais que um rastro.
Todo mundo com quem conversei na Chaos Wars insistiu que eles se consideram uma grande “família”, e o evento com certeza parecia a reunião de moda mais ambiciosa do mundo. A idade dos participantes variava de tiozões com barba longa grisalha a crianças que tinham sido arrastadas pra lá por seus pais entusiasmados e involuntariamente cruéis. Um dos casais chegou até a pintar seu pimpolho de verde.
Fiquei lá por três dias, durante os quais testemunhei uma cerimônia de casamento. Na sexta, ambos ensaboados em tons venenosos de verde, Rumbeard, vestido como Geoffrey Rush no Piratas do Caribe, e Fangestra, usando um vestido rosa pastel, santificaram sua união numa forma curiosa de matrimônio. Levando o subtexto matrimonial de troca de propriedade ao extremo da lógica, um “vendedor de escravos” levou a noiva até o altar, depois a vendeu ao noivo pelo preço de dois barris de mirtilo. Os procedimentos então deram lugar a uma troca de votos escritos pelos próprios noivos. Cautelosamente religioso e indulgentemente sentimental, esse enlace poderia se assemelhar ao equivalente civil, se a noiva e o noivo não estivessem pintados de verde.
Essa mistura de brincadeira envergonhada e sobriedade de pedra é típica da Chaos Wars. Todo mundo aqui tem um salutar senso de humor sobre sua situação meio boba, mas em momentos cruciais todo mundo acaba caindo na fúria protetiva nerd de seu domínio escolhido.
Veja o caso de Forkbeard, talvez o mais fisicamente intimidadore guerreiro da Chaos Wars. Com mais de 1,80m, um tanquinho abdominal digno e pelos faciais mais loucos do que seu apelido sugere, Forkbeard entrou na batalha com um capacete de gladiador, luvas, armadura de couro dourada e tinta corporal verde. Ele empunhava sua lança coberta de espuma com força suficiente pra nocautear um homem adulto, o que ele fez várias vezes nas batalhas campais com pugilistas vestidos de maneira similar, todos derramando suor como se estivessem sendo torcidos por mãos gigantes.
Durante o calor da Batalha Final, Forkbeard saiu do campo e jogou no chão seu capacete. Ele parecia um viking desequilibrado.
“Não vou voltar pra lá!”, gritou.
Um espectador: “Que aconteceu? Você se machucou?”.
“Não vou voltar pra lá enquanto as pessoas continuarem trapaceando. É uma palhaçada. As pessoas não estão aceitando os golpes que recebem.”
Ele tirou mais algumas peças de armadura e saiu, emburrado, acenando pra alguns simpatizantes e soltando diversas maldições. O poderoso guerreiro, derrubado por um bando de trapaceiros sem vergonha.